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DEUS AMA VOCÊ 10 (Lorimar Santos)

‘Peço, em nome de Jesus: devolva o corpo do meu marido’, disse mulher


Alexandre Lima, marido dela, era diácono em igreja evangélica.
Traficantes jogaram corpo dele em rio próximo à Favela da Chatuba.
O diácono Alexandre Lima (Foto: Bernardo Tabak/G1)
Evangélica e muito religiosa, a esposa do auxiliar de serviços gerais Alexandre Lima, de 37 anos, estava presente, na noite de quarta-feira (12), ao culto do Ministério Palavra de Vida, em Nilópolis, na Baixada Fluminense, quatro dias após o assassinato do marido. O ministério foi fundado com a ajuda de Alexandre, há dois anos. O diácono Alex, como era mais conhecido pelos fiéis, foi morto por traficantes, no sábado (8), quando caminhava no Parque do Gericinó, próximo de casa, também em Nilópolis. De acordo com a esposa, os criminosos não queriam devolver o corpo, até que ela fez um apelo: “Você tem pai, você tem mãe, você tem filho, você tem alguém que você ame? Eu te peço, em nome de Jesus, que você devolva o corpo do meu marido. Em nome de Jesus!”

A esposa de Alexandre, que prefere não ter o nome revelado, deu entrevista ao G1 na pequena casa onde são realizados os cultos, próximo ao bairro Cabral, em Nilópolis. Ela confirmou a versão de que o marido pode ter sido morto por estar com fones de ouvidos e não ter escutado ordens dadas por traficantes da Favela da Chatuba, que fica no município deMesquita, ao lado de Nilópolis. Segundo ela, um vizinho presenciou o crime da laje de casa, que tem fundos para o Parque do Gericinó. “O vizinho contou que o Alex estava andando na mata, quando os caras falaram: ‘Para! Para aí! Levanta a blusa! Levanta a blusa!’ Ele não levantou a blusa e mandaram bala nele”, relatou a esposa do diácono, que trabalha como empregada doméstica.

‘Atiraram no seu marido’, alertou vizinha
De acordo com ela, o crime ocorreu por volta das 6h30 do sábado. “A gente acordou 5h30, e resolvermos caminhar. Era o dia seguinte ao feriado e eu estava de folga, porque todas as minhas patroas estavam viajando”, recorda. “Ele gostava muito de ouvir música evangélica. Mas, como tinha pouco estudo, e não manja muito como mexer no rádio, botei na Rádio do Louvor para ele escutar”, recorda a esposa.

Um portão nos fundos da casa onde Alexandre morava dá para o Parque de Gericinó. Ele e a esposa costumavam caminhar e correr na trilha que corta a mata. “Olhei pela janela, e ele estava lá na trilha, ouvindo o rádio. Por umas três vezes, o olhei andando para lá e para cá, com os fones de ouvido e olhando os passarinhos. Eu fiquei em casa, limpando nosso quarto”, lembra.

“De repente, uma vizinha veio chamando: ‘Vem aqui, rápido, para não assustar as crianças.’ Perguntei: ‘O que houve?’ Ela respondeu: ‘Atiraram no seu marido.’ E eu: ‘Não. Meu marido está ali. Acabei de vê-lo pela janela. Vou lá chamar’ Mas ela garantiu: ‘Não! Foi o Alex! Meu cunhado viu tudo lá da laje.’”, recorda a esposa do diácono. Ela conta que, de início, quis ir correndo ver o que tinha acontecido com Alexandre, mas foi contida por um vizinho, que se prontificou a tentar chegar até o local do crime. “Mas meu vizinho contou que os traficantes ameaçaram: ‘Mete o pé! Volta! Quem passar, vou mandar fogo’”, contou a esposa.

‘Se ligar para a polícia, eles voltam e matam todo mundo’, alertou vizinho
Então, mesmo alertada pelos vizinhos do perigo – “Você sabe como é aqui: se ligar para a polícia, depois eles vão voltar e vão matar todo mundo” -, a esposa de Alexandre ligou para 190. “Mandaram aguardar na esquina da minha casa. Demorou cerca de meia-hora, mas, depois, chegaram vários carros da polícia. Expliquei toda a situação e dei meus documentos e os do meu marido”, recorda. “Os policiais não entraram no Parque do Gericinó porque disseram que era uma área restrita, e que teriam que aguardar uma autorização”, complementou.

Em seguida, a esposa do diácono foi alertada por uma das filhas que os traficantes estavam atendendo o telefone de Alexandre. “Liguei e falei assim: ‘Eu poderia falar com o Alex?’ Responderam: ‘Não tem nenhum Alex aqui.’ Eu disse: ‘Vem cá, meu filho: eu já sei do acontecimento. Não me interessa o que fez, ou o que deixou de fazer. Eu quero ir pegar o corpo do meu marido. Você permite que eu entre aí? Nem que eu entre sozinha. Eu quero o corpo do meu marido, por favor, porque eu sou uma pessoa de Deus. Ele também é uma pessoa de Deus e eu preciso enterrá-lo.’”, conta ela.

Na primeira ligação, os traficantes disseram que o corpo estava em uma rua próxima à Favela da Chatuba. Mas, mesmo com a ajuda de um mutirão de vizinhos, nada foi encontrado. A esposa de Alexandre insistiu, e na segunda vez, o traficante respondeu: “Olha, você está com muita marra, mas vou falar: está lá no rio.”

“Fomos ver, e estava no rio, próximo à Chatuba”, recorda a esposa de Alexandre. Ela conta que um primo dela, que é bombeiro, foi quem retirou o corpo de dentro do rio. “Desde que nós viemos morar aqui, sempre existiu a violência, mas para quem devia, para quem era envolvido, ou pessoas de favelas rivais. Mas, com morador, com inocentes, é a primeira vez”, conta a esposa. “Quem sujava a favela, roubava, os caras matavam ou cortavam a mão, ou davam castigo, punição”, acrescenta.
Alexandre Lima, após um culto evangélico
(Foto: Bernardo Tabak/G1)

‘A cachoeira é dos traficantes’

Alexandre Lima foi um dos oito mortos de um sábado sangrento, quando outros seis jovens, todos moradores de Nilópolis, também foram mortos, após tomarem banho em uma cachoeira próxima à Favela da Chatuba. “Os meus vizinhos, de 70 anos, falam que sempre foram tomar banho na cachoeira. É a história da vida de todo mundo que mora perto do 

Parque de Gericinó. Nós mesmos já fomos tomar banho na cachoeira. Paramos de ir porque falaram que agora a cachoeira tem dono. A cachoeira é dos traficantes e ninguém mais pode passar para lá”, contou a esposa do diácono.

Além deles, um cadete da Polícia Militar também foi executado e um outro jovem está desaparecido. Mas o pastor que fundou o Ministério Palavra de Vida junto com Alexandre descarta a relação entre os crimes. “Não tem nada a ver com a morte do cadete. Não teve nenhuma ligação. O cadete, pelo que contam, estava em um baile funk, no Clube Lisboa. Quando foi levar uma menina em casa, o apanharam no meio da rua, na Chatuba. Sabiam que era PM e o mataram”, contou o pastor, que também pediu para não ser identificado.

“O Alexandre estava na hora errada e no lugar errado”, afirmou o pastor. “No mesmo dia em que o Alexandre foi morto, vizinhos que moram em casas coladas ao Parque de Gericinó presenciaram os traficantes ameaçando militares do Exército, que estavam se exercitando. Os traficantes botaram eles para correr”, acrescentou ele.

O pastor ressalta que os traficantes usam binóculos nas guaritas do Exército que existem dentro do parque, “e que foram abandonadas pelos militares”. “Essas pessoas (os traficantes) se drogam. Eles usam diversos tipos de drogas e ficam alucinados. Tanto que mataram o Alexandre e os outros seis jovens”, diz.

Alexandre deixa cinco filhos: um deles adotado
Alexandre e a esposa estavam juntos há 20 anos. Conheceram-se em Itaipuaçu, distrito de Maricá, onde os pais deles trabalhavam em sítios, como caseiros. Ela tinha 16. Ele, 17. Mudaram-se para Nilópolis em 1999, onde entraram para a igreja evangélica e se casaram. Criavam, juntos, cinco filhos, um deles adotado. O primeiro filho nascido após se mudarem para Nilópolis faz aniversário neste sábado (15), uma semana após a morte do pai.

“Era um homem respeitador, assalariado, que sustentava a família. Era uma pessoa que sempre buscava ajudar o próximo. Perdemos um homem valoroso, não só na igreja, mas na própria comunidade. Foi uma covardia muito grande”, finaliza o pastor.

Enquanto se esforça para conter as lágrimas, a esposa de Alexandre conclui: “Eu não consegui comer até hoje. Só nesta quarta-feira fui comer um pouquinho. Ele era muito carinhoso, e sempre me esperava para comer. É uma tortura. Ficar dentro de casa também dá um vazio. Tem horas que dá vontade de chamar por ele. Parece que a pessoa está ali.”

G1.com

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